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Vai o imobiliário ficar bem?
O impacto no imobiliário em virtude das medidas tomadas para tentar conter a propagação do vírus é difícil de prever e sujeita cidadãos e empresas a uma crise com características inéditas no atual contexto de globalização.
São diversas as opiniões que falam na contração generalizada de preços, em consequência de uma recessão económica. Na minha perspetiva, é natural que o imobiliário seja encarado com pouco otimismo, sendo um setor que há muito se revelou especulativo e incoerente com o nível salarial da população portuguesa. Acredito, contudo, que não devemos especular sem antes analisar os fatores que efetivamente poderão ter impacto nos preços.
Para melhor compreendermos o dinamismo do mercado imobiliário, proponho, em primeiro lugar, olharmos para os diversos movimentos que caracterizaram o setor nos últimos anos; e em segundo, as variáveis a ter em conta na análise ao mercado residencial daqui para a frente.
Mercado imobiliário entre 2015 e 2019
· Desde 2015, o nível de preços dos imóveis residenciais em Portugal subiu em resultado da alteração da procura. Com a entrada de novos compradores detentores de elevado capital, os proprietários de imóveis decidiram colocá-los à venda por valores cada vez mais altos. Reação natural, tendo em conta que qualquer proprietário que pretenda vender um imóvel sem pressa, espera fazê-lo pelo melhor preço. Neste cenário, em que todo o mercado subiu gradualmente os preços, a maximização de lucro acabou por ser anulada pela inflação dos preços, traduzindo-se na prática em ganhos zero.
· O programa Golden Visa contribuiu para a expetativa de os proprietários venderem o seu imóvel a um investidor. O mercado imobiliário é um bom exemplo de que, na sua grande maioria, as pessoas se influenciam umas às outras na definição dos preços anunciados localmente.
· Por sua vez, nas avaliações aos imóveis para concessão de crédito, os bancos podem ter ajudado à inflação, em alguns casos acima a capacidade de endividamento das famílias, risco que poderia ter sido controlado através de avaliações mais conservadoras.
· Uma falácia do mercado foi convergir preços de imóveis com características muito distintas, com base na sua localização, e reportar ao mercado “preços/m2”, uma medida pouco sensível às preferências subjetivas das pessoas e às características específicas dos imóveis. Da mesma forma que não podemos agregar todos os restaurantes do Chiado, incluindo McDonalds e Belcanto, e estabelecer um preço médio de refeição neste bairro, imóveis na mesma rua podem facilmente ter uma variação de valor de 100%, como escrevi aqui.
· O aumento do turismo atraiu a entrada de pequenos investidores, com ou sem alavancagem bancária, com interesse em fazer house flipping, que consiste na aquisição e venda quase imediata de imóveis com ou sem alguma reabilitação, com vista a gerar uma margem de lucro de curto prazo; ou com interesse no desenvolvimento de negócios de alojamento local, com impacto no mercado residencial, na medida em que vimos reduzida a oferta de imóveis para arrendamento de longo prazo.
Foi assim que o mercado imobiliário foi perdendo alguma da sua racionalidade, ao longo dos últimos anos, beneficiando das condições favoráveis ao turismo e ao investimento direto estrangeiro.
Mercado imobiliário pós pandemia
· Nas últimas semanas, temos observado nas principais plataformas imobiliárias a deslocação de imóveis do alojamento local para o arrendamento de longo prazo e baixas nos preços de renda. Os prazos de arrendamento indicados nos anúncios são de cerca de três, seis ou doze meses, refletindo as diferentes expetativas dos proprietários para a retoma do turismo. O aumento de oferta de imóveis para arrendamento e a necessidade de ocupação imediata, estão a pressionar as rendas para descidas na ordem dos vinte a trinta por cento.
· Enquanto analista de mercado, em vez da métrica “preço/m2” opto por definir o perfil de “utilizador” para avaliar preço de venda e renda potenciais de um imóvel. Não existem muitos dados disponíveis, pelo que a experiência de uma agência que presta um serviço personalizado a arrendatários e compradores é crucial. São diversos os relatórios e gráficos assentes em bases de dados de oferta de imóveis, mas considero igualmente relevante que se agreguem e analisem dados relativos à procura. Estes dados estão acessíveis aos profissionais do setor que subscrevam estes relatórios. Os compradores são quem efetivamente “conduz” o mercado e importa conhecer a sua nacionalidade, o budget de pesquisas, as características e localizações específicas dos imóveis nos quais manifestam interesse, além das suas motivações. Traçando o perfil de procura, é possível determinar com mais precisão a adequada oferta de imóveis e os seus preços, como fazem os promotores imobiliários. Na sua maioria, os empreendimentos de construção nova e reabilitação que surgiram em Lisboa nos últimos anos, foram pensados para um perfil de comprador específico. É por esta razão que existem empreendimentos com características e preços para uma capacidade de compra acima da média, destinados ao perfil de comprador estrangeiro, seja para sua habitação permanente, segunda casa, ou investimento.
Medidas que podem contribuir para maior rigor e transparência no mercado imobiliário:
· Criação de uma base de dados de acesso público, com as informações relevantes de cada transação que são transmitidas ao Governo por todos os cartórios notariais, à semelhança do que é feito noutros países. Esta base de dados será extremamente útil para compreender a evolução do mercado, bem como, para que sejam conhecidos as datas e os preços reais de transação dos imóveis.
· Recuperação do programa Golden Visa em Lisboa e no Porto, pelo impacto positivo que tem na hotelaria e comércio local, o que ajudará à recuperação da atividade económica. Um estudo mais aprofundado poderá incluir incentivos que direcionem o investimento para outras localizações, mas sem restringir as escolhas dos investidores.
· Obrigatoriedade de todas as transações serem realizadas através de mediadora imobiliária, que deverá reportar para base de dados pública, não apenas os valores de transação, mas também as comissões cobradas em cada transação. A obrigatoriedade da mediação não pode ser imediata, não estando a generalidade dos profissionais preparados. Seria essencial um período de transição, a eventual constituição de uma ordem, e a definição de requisitos de acesso à atividade, como a formação superior certificada, tanto para a obtenção como para a renovação de licenças, à semelhança do que acontece com outras profissões liberais, dada a importância sistémica que o setor imobiliário tem na economia e nas finanças familiares.
Recursos individuais para lidar com as circunstâncias:
“Do you know what is the most important thing in comedy? – Timing.” O mesmo acontece no mercado, que responde ao conjunto de expetativas e ações individuais. Assim, de pouco adianta reagirmos às circunstâncias na expetativa de que os preços caiam, porque outros players do mercado já consideram estas expetativas nas suas decisões. Não sendo linear, nem de ciclo curto, o mercado ajustar-se-á sempre de forma dinâmica. Apesar de compreendermos este comportamento, refletido na história através de curvas de recessão e recuperação económica na forma de V, U, W ou até L, lembremo-nos de que somos peritos em contar histórias e que, neste momento, podemos contar uma nova história, consciente e alinhada com outras prioridades.
Se pretender vender ou comprar um imóvel nos próximos meses, pondere necessidades e a utilidade que essa mudança terá para si e para a sua família, procure apoio especializado e livre de conflitos de interesse, não se deixando influenciar pelas notícias nem pelos medos. Pense que a habitação é desde sempre, e continuará a ser, um bem essencial. E que as pessoas continuarão a mudar de casa nas diferentes fases da sua vida. Considere ainda todos os custos de manutenção a longo prazo versus vantagens desse imóvel; e avalie os riscos associados às taxas de juro fixa versus variável. Este texto pode ser-lhe útil.
As circunstâncias causadas pela resposta do Governo à contenção deste vírus convidam-nos a encarar a nossa vulnerabilidade enquanto seres humanos perante a natureza. Facilmente comparamos preços, mas talvez tenhamos perdido a verdadeira noção de valor. Percebemos agora que independência é, num mercado de compra e venda, interdependência. Mas, ainda assim, muito dependente de um sistema económico capaz de colapsar em poucos meses. Colapso esse que requer medidas excecionais de aplicação imediata e que nos afeta a todos de forma muito distinta. O resultado dessas medidas não cabe meramente às instituições, e vai certamente requerer mais ética, responsabilidade e cooperação nas nossas ações. Enquanto cidadãos e empresários. No imobiliário e fora dele.
Sandra Viana, fundadora da LOBA
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